”Cota racial é um dilema que deve ser discutido”
Futuro reitor diz que pretende visitar sindicatos e movimento estudantil, mesmo antes de assumir o cargo, ‘para conversar’
Carolina Stanisci e Renata Cafardo
A primeira providência do novo reitor da Universidade de São Paulo, João Grandino Rodas será fazer visitas aos sindicatos dos professores e funcionários e à sede do movimento estudantil. “Vou lá para conversar, antes mesmo de assumir. Ninguém precisa convencer ninguém de nada. Mas havendo mais simplicidade da parte da direção, mais transparência, as coisas podem melhorar”, disse. Nos últimos quatro anos, esses grupos foram responsáveis pelos grandes embates com a reitoria, o que levou a sucessivas crises, invasões de prédios e conflitos com a Polícia Militar dentro do câmpus.
O jurista, de 64 anos, foi o segundo mais votado nas eleições na USP nesta semana. Na noite de anteontem, ele recebeu pessoalmente do governador José Serra a notícia de que seria o novo reitor. Em entrevista ao Estado, Rodas diz que não sabe o porquê de ter sido o escolhido. Mas que pretende chamar o candidato preterido, o cientista Glaucius Oliva, para compor sua administração.
A posse do novo reitor deve ser no dia 26. Rodas participou de uma banca de livre-docência pela manhã e passou o resto do dia de ontem em sua sala da diretoria da Faculdade de Direito recebendo jornalistas, flores e cumprimentos. Contou ainda que pretende colocar em discussão um tema polêmico dentro da universidade: cotas. Hoje existe na USP apenas um programa de inclusão que dá bônus a alunos de escolas públicas no vestibular, sem distinção de raça ou cor. “É um dilema. Mas temos de discutir.”
Qual será sua primeira providência ao assumir?
Na verdade, é algo que vou fazer até antes de assumir. De maneira informal, sem carro oficial nem seguranças porque reitor não é chefe de Estado, vou fazer uma visita à Adusp (associação dos docentes), ao Sintusp (sindicato dos trabalhadores) e ao DCE (diretório central estudantil). Vou lá para conversar, ninguém precisa convencer ninguém de nada. Mas havendo mais simplicidade da parte da direção, mais transparência, as coisas podem melhorar. Vamos colocar todos os gastos na internet.
Por que acredita que foi o escolhido pelo governador sendo o segundo da lista tríplice?
Pela sistemática, a lista é tríplice. Muitas vezes se escolhe o primeiro, mas nem sempre isso acontece. Em outros lugares, como no Poder Judiciário, no Poder Executivo e até na USP o segundo lugar é escolhido. A própria reitora, que escolhe diretores das faculdades em listas tríplices, escolheu quem não era o primeiro colocado. Senão não seria lista, seria nome único. Não sei exatamente o porquê de ter sido escolhido. Tenho impressão que serviu ao convencimento do governador a carreira na USP de 39 anos, a carreira na magistratura e o fato de eu ter experiência em autarquias.
Grande parte dos professores votou em Glaucius Oliva, que tinha o apoio da reitora. Outro grupo faz forte oposição à gestão. Como pretende lidar com as insatisfações?
Todos os professores sabem, mais até do que os alunos e o povo, que é um meio absolutamente legítimo a escolha pela lista tríplice. As pessoas que estiveram em outros grupos políticos não escolhidos não serão alijadas da gestão.
O senhor vai chamar Oliva para participar de sua gestão?
Não tenha dúvida. Eu já liguei para ele hoje cedo. Deixei recado na caixa postal do celular. Ele só não participará se não quiser. Temos pouca gente na universidade. Se a cada eleição quem é escolhido não deixa portas abertas aos demais, ou afasta, isso é um absurdo.
A ONG Educafro comemorou a sua nomeação porque o senhor teria defendido cotas na USP.
Acho que a USP tem de discutir mais a inclusão social, enquanto isso o Inclusp (programa que dá bônus a alunos de escolas públicas no vestibular) vai sendo mantido. Realmente é necessário que a USP discuta cotas e outras coisas. Por essa razão, vamos levar essa problemática ao Conselho Universitário. Temos de discutir se vai haver cotas ou não. E se tiver cotas, para quem? Raciais? Não é simples. É preciso valorizar o mérito acadêmico, mas também dar mais oportunidade para quem não teve acesso à educação de qualidade. É um dilema. Mas temos de discutir.
O senhor é pessoalmente favorável às cotas para negros?
É uma questão ampla. Você pode abrir cotas para negros, pessoas de baixa renda. O Inclusp é um meio razoável. Mas não atinge talvez tudo que poderia acontecer. Sou favorável a aumento de bonificação para que pessoas com restrições nos estudos possam ter facilitada sua entrada na USP. Não é uma coisa que acaba com mérito acadêmico. Uma das saídas pode ser um Inclusp turbinado ou por meio de cotas, mas precisamos de discussão na comunidade.
O governo agora espera que o convênio com a Univesp, para oferecer graduação a distância, saia do papel.
A USP não pode se furtar das metodologias modernas, não pode deixar de participar desse momento ela mesma, mas também em convênios com outras instituições. A Univesp é algo importante, tem um efeito multiplicador para formar professores.
O governador pediu para que o senhor colabore mais com o governo?
Serra escolhe Rodas como novo REItor
Não pediu isso. Vou fazer como fiz quando estava no Cade, que presidi durante o governo do PSDB e do PT, não há diferença. Mas a USP precisa colaborar mais com políticas públicas e o governo tem de entender o limite da USP também.
O senhor defende mudanças no processo eleitoral. Acabaria com a lista tríplice?
Não estou dando receita de bolo. Será ampla a discussão. Não vejo problema de se escolher, por exemplo, o diretor das unidades na própria unidade, sem chegar lista tríplice ao reitor. O reitor não é imperador, que faz o que quer.
A USP vai participar do Enade?
A USP não pode se furtar a participar de todas as avaliações nacionais. A USP não está acima das demais universidades nesse aspecto. Em participando, vamos ter índice de como USP está no contexto nacional. Não significa que não possa levantar questões negativas ou positivas dos diversos meios de avaliação. Talvez não possamos usar 100% das avaliações, como é o caso do Enem ser usado para vestibular. Pode ser que a gente não possa aceitar o Enem como nosso vestibular, pelas falhas que foram colocadas, que dizem que o Enem não mediria nuances num exame de tantas carreiras. Ainda assim, seria importante que não se descartasse, mas que se usasse certas características básicas.
Poderia ser usado como vestibular de alguns cursos?
Sim, poderia ser usado parcialmente. Mas isso é opinião do reitor. E o reitor, sozinho, pode incentivar que isso se faça. Acho que existe sentimento dentro da USP que as avaliações nacionais sejam usadas.
Que marca o senhor que deixar na USP?
A USP cresceu demais. O número de alunos da graduação dobrou nos últimos anos. E da pós também. Temos deficiências que precisam ser sanadas. Precisamos adequar professores e estrutura. Temos que aumentar o número do corpo docente, melhorar prédios e a informática. Hoje há defasagem por conta do grande número de alunos. A graduação e a pós têm de manter excelência acadêmica. Precisamos, também, desburocratizar a universidade, e internacionalizar. Ter duplos diplomas. O estudante pode fazer a graduação aqui e em Harvard. Queremos estar no clube de classe internacional de universidades.
Como diretor da Faculdade de Direito, o senhor fechou as portas da faculdade este ano para que não fosse invadida por manifestantes. Como lidará com protestos em sua gestão?
Nós temos protestos e protestos. Existe a necessidade legal, do diretor ou diretora, do reitor ou da reitora, de proteção das pessoas e das coisas. Isso é responsabilidade legal. Quando se fala naquele fechamento que foi feito aqui, havia uma passeata que estava chegando e cuja grandíssima maioria era externa à universidade. Não era um protesto pura e simplesmente. Preventivamente, resolvemos fazer isso. Não impedimos o protesto, ele foi feito aqui fora.
Sua equipe está montada?
Não. O pessoal do Compromisso USP (grupo formado por unidades como Medicina, Economia, Direito, Engenharia, que apoiou Rodas) não pediu nada. Temos várias pessoas de gestões passadas na equipe. Agora vamos discutir.